Ford GT40 – O Único Americano a Vencer LeMans
Não convencidos que o Ford GT40 que os Ingleses construíram com chassis monobloco em aço e o pequeno bloco V8 fosse um potencial vencedor de Le Mans, a Ford USA assumiu um papel mais activo no projecto com inicio em 1965. O primeiro passo foi pôr Carroll Shelby como responsável por melhorar o carro existente. Ele montou uma versão maior do pequeno bloco V8, novas jantes de liga leve e melhores travões. Houve sucesso imediato, com o melhor Ford GT40 a vencer Daytona 2000 km e a sua classe nas 12 Horas de Sebring. Para Le Mans Shelby deu um passo á frente e equipou dois carros com um grande bloco V8 derivado do Ford Galaxy. Estes GT40 Mk II eram rápidos, mas frágeis e Le Mans provou ser um desastre, uma vez mais para a Ford.
Enquanto Shelby continuou a desenvolver o grande bloco de motor V8, a Ford tinha planos ainda maiores. Eles perceberam que Eric Broadley estava parcialmente correcto no início do projecto GT40 quando se opôs ao uso de aço para o chassis do carro, ele era favorável ao uso de materiais leves, como o alumínio, o que permitiria também ao GT40 ser facilmente transformado num carro de produção. O peso adicional prejudicou os carros de tal forma que eles tiveram que recorrer a motores quase duas vezes maiores que o seu maior concorrente, a Ferrari. Escusado será dizer que a excessiva potencia e peso também causava problemas na caixa de velocidades, causando muitos abandonos para o Mk II na sua temporada de estreia. A única solução logica foi a de construir uma versão mais leve do chassis.
No outono de 1965, a Ford começou a construir o novo chassis. A escolha óbvia seria a de substituir o aço por alumínio para obter um chassis consideravelmente mais leve. Temia-se contudo que o material leve não fosse suficientemente resistente para lidar com o motor de 500 cv e para aguentar o esforço de correr à volta de Le Mans durante 24 horas. Os engenheiros decidiram utilizar uma estrutura de favo de mel ensanduichado entre as folhas de alumínio, o que resultou num material excepcionalmente forte. Estes favos já tinham sido utilizados na construção de aeronaves, mas era um método de construção inovador no automobilismo. A construção dos chassis era feita na Brunswick Aerospace.
Ao usar um desenho similar para o chassis, muitos dos mecânicos dos Mk II podiam ser transferidos para o novo carro. Estes incluíram suspensões, travões e o grande bloco de motor, o sete litros V8. Nova era a Kar Kraft, caixa de 2 velocidades automática, substituindo a mais comum de quatro velocidades manual. Montado pela Ford em Dearborn, a evolução do GT40 estava embrulhado num corpo em fibra de vidro com uma plataforma elevada e uma traseira agressivamente cortada “Kamm tail”. Considerado um carro experimental, o novo carro era simplesmente conhecido como J-Car referindo-se ao anexo J dos regulamentos a que o automóvel foi construído. Pesando 940 kg, ou seja 200 kg mais leve do que o Mk II, o primeiro J-Car ficou pronto a tempo para os testes de Le Mans, na primavera de 1966.
Antes de serem enviados para França, o carro Hi-tec foi a Riverside fazer um shake down. No dia do teste anual de Le Mans, as funções de condução foram entregues a Bruce Mclaren e Chris Amon. Em apenas algumas voltas, Amon estava com o ritmo que Phil Hill conquistara a pole position em 1965. No fim do dia, o J-Car tinha cronometrado o tempo mais rápido do dia. No entanto não entrou na corrida, a Ford não podia suportar um novo fiasco pelo terceiro ano consecutivo. Consequentemente Mclaren e Amon marcaram aquele indescritível Le Mans com a vitória, agora no bem preparado GT40 Mk II, seguido por outros dois Mk II. Apesar do sucesso do Mk II, a Ford continuou o desenvolvimento do J-Car e um segundo carro foi construído no verão para mais testes.
Depois do teste de Le Mans, o primeiro J-Car foi enviado para os Estados Unidos e serviu principalmente para testar configurações diferentes, principalmente para melhorar a estabilidade a alta velocidade. O segundo J-Car ficou concluído em agosto e preparava-se para participar no novo Can-Am Challenge, que iria começar em Setembro. Durante um teste em Riverside, Ken Miles morreu num estranho acidente, cuja causa ainda não está clara. Imediatamente após o acidente, a construção de um terceiro carro foi suspensa e o primeiro foi destruído num acidente para ajudar a determinar a causa do acidente fatal. No final de Outubro, o terceiro carro foi finalmente montado, desta vez com uma caixa de velocidades convencional substituindo a automática.
O anúncio do 330 P4 por parte da Ferrari deixou o pessoal da Ford preocupado e para garantir que o J-Car estava pronto, a Ford convidou Shelby para ajudar a desenvolver o carro. Em Janeiro de 1967, o J-3 foi amplamente testado. Finalmente foi encontrado um desenho que melhor combinava a estabilidade a baixa velocidade com a alta velocidade. Um quarto carro foi construído, já equipado com o novo desenho e enviado para Sebring para a estreia tardia do J-Car na competição. Referindo-se a sua linhagem ao GT40, o J-Car tornou-se o Ford GT Mk IV, ou apenas Mk IV. Nas mãos de Bruce Mclaren e Mario Andretti, o Mk IV amarelo brilhante estabeleceu a pole position com uma margem de 2,6 segundos e foi conduzido até à vitória final na sua estreia.
Uma semana depois, Mclaren foi a Le Mans testar o J-3 em configuração de pista oficial. Equipado com todos os tipos de equipamento de teste, não conseguiu registar um tempo rápido, mas foi cronometrado a 330 km a descer a recta Mulsanne. Para não deixar nada ao acaso, foram construídos quatro chassis completamente novos para Le Mans. Dois (J-5 e J-6) foram entregues à Shelby American que seriam conduzidos por Mclaren / Donohue e Gurney / Foyt, os outros dois foram entregues a Holman & Moody para serem conduzidos por Andretti / Bianchi e Ruby / Hulme. Os quatro Mk IV foram apoiados por uma outra fábrica a quem foram entregues três GT40 Mk II preparados por Shelby. Eles enfrentaram os Ferrari e os companheiros americanos Chaparral com motor Chevrolet 2Fs com a sua avançada asa móvel.
As sessões de qualificação eram dominadas pelos americanos da Ford com Mclaren a conquistar a pole position à frente do Chaparral de Mike Spence e Phill Hill. O Ferrari mais rápido foi sétimo a mais de quatro segundos do Mk IV. Na corrida a grande fiabilidade dos Ferrari permitiu-lhes ir subindo na classificação à medida que ia aumentando o número de líderes da prova, que um por um, Ford e Chaparral iam perdendo tempo nas boxes ou eram forçados a desistir. Hulme tinha feito várias voltas mais rápidas, mas o seu Mk IV foi passado para segundo plano depois de Ruby ter danificado o cárter durante uma excursão por fora da pista. Andretti teve um acidente a meio da noite e Mclaren / Donohue perderam bastante tempo nas boxes depois da traseira do Mk IV ter explodido a descer Mulsanne, não pode fazer melhor que quarto lugar. Felizmente o carro de Gurney / Foyt teve uma corrida sem problemas, terminando cinco voltas à frente do melhor Ferrari a garantir o primeiro Le Mans para um carro totalmente americano.
Um dia após a segunda vitória da Ford em Le Mans, foram anunciados novos regulamentos para 1968, o que tornou o Mk IV obsoleto. A Ford levou os Mk IV de volta para a Holman & Moody e foram os quatro reconstruidos de forma a se parecerem com o carro vencedor, que de acordo com o ACO, foi o J-6. Os carros foram pintados de vermelho e receberam a “bolha Gurney” no tejadilho para serem uma réplica exacta do vencedor. Durante um tempo estes “Vencedores” foram mostrados em diversos motor shows. No final do ano, o J-6 foi entregue a Foyt pela sua boa estreia e vitória em Le Mans. Foram construídos dois chassis favo de mel adicionais que foram utilizados com pouco sucesso na Can-Am com a alcunha de G7A, elevando o número de J-Car construídos para dez.
A Ford vendeu também o J-7 e o J-8, mas segurou o J-5, que na época não tinha placa de chassis e perdeu muitos dos componentes originais, como o motor. Em 1991, o coleccionador americano James Glickenhaus comprou o J-6 e logo depois começou a ter duvidas se o carro era realmente o vencedor de Le Mans. Ele visitou o museu da Ford para inspeccionar o J-5 e descobriu que ele tinha um piso por baixo do assento do piloto, juntamente com a bolha no tejadilho que foi feita para acomodar o muito alto Dan Gurney, havia também uma rachadura no nariz do J-5, onde um fã com uma garrafa de champagne se sentou depois da corrida, além disso Glickenhaus tinha encontrado alguns danos no seu carro que fora causado pela explosão na cauda. Por quase trinta anos, a ACO e o departamento de marketing da Ford tinham mantido todos os historiadores enganados. Até ao momento Glickenhaus é a única pessoa a provar que o seu carro ganhador de Le Mans, realmente não o é.
Tendo descoberto que o seu carro não era o vermelho nº 1 conduzido por Gurney e Foyt, Glickenhaus repintou o seu carro na cor correcta, o amarelo nº 2 conduzido por Mclaren e Donohue que obteve o quarto lugar em Le Mans. A bolha Gurney foi mantida por Glickenhaus por este considerar que fazia parte da interessante história do carro. Mecanicamente o carro é ainda completamente original já que correu apenas uma vez. Como todos os carros de Glickenhaus, está em perfeitas condições de uso e registado de modo a poder rolar na estrada. Foi mostrado no ano de 2007 durante um motor show ao lado do seu Ferrari 330 P3/4 que tinha sido adversário em Le Mans de 1967. A fotografia acima mostra o J-5, vencedor de Le Mans no museu Ford. Em contraste com o J-6, o vencedor não é um carro utilizável e actualmente tem uma placa a dizer “don’t start” no painel de comandos.
À primeira vista, o Mk IV poderia ser facilmente confundido por ser “apenas” a evolução quatro do original Ford GT40. Uma inspecção mais detalhada e ao contrário da opinião popular sobre carros americanos, revela que é na verdade um carro de corridas altamente avançado, particularmente com a construção do chassis, a Ford inovou e foram rapidamente seguidos por todos os outros fabricantes de automóveis de corrida e até à data a construção favo de mel ainda é usada para criar fortes estruturas com componentes leves. É lamentável que os regulamentos tenham cortado a curta vida do Mk IV, embora muitos acreditam que a Ford teria deixado de correr no final da temporada de qualquer forma.
Até hoje, o Ford Mk IV permanece como o único carro totalmente americano a vencer o grande clássico das corridas de resistência.